por Margareth Ferreira
Estupro NÃO é uma problema novo. Ele é renovado e banalizado, muitas vezes acoitado e aceito por pessoas de diferentes níveis intelectuais e sociais. Vejamos:
Estupro NÃO é uma problema novo. Ele é renovado e banalizado, muitas vezes acoitado e aceito por pessoas de diferentes níveis intelectuais e sociais. Vejamos:
Em
02 de maio de 2013, o Prof Universitário Marcus Vinícius Batista publicou o
seguinte em sua coluna semanal:
"O problema número um do Congo são os estupros. Matam mais que a cólera, a febre amarela e a malária. Cada bando, facção, grupo rebelde, inclusive o Exército, onde encontra uma mulher procedente do inimigo, a estupra. Ou melhor, a estupram. Dois, cinco,dez, quantos sejam. Aqui, o sexo nada tem a ver com prazer, só com o ódio. Todos os dias chegam neste consultório mulheres, meninas, violadas com bastões, ramos, facas, baionetas. O terror coletivo é perfeitamente explicável."
Durante
esta semana a sociedade brasileira foi abalada por um caso ocorrido com uma
menina de 16 anos no Rio de Janeiro. De um momento ao outro, milhares de
pessoas pelas redes sociais mudaram perfis e publicaram algo em apoio a mulher
que fora violentada; alguns, todavia, de maneira corrente questionaram a vítima
e culpabilizaram sua conduta e comportamento, responsabilizando-a pelo
ocorrido.
Nosso
cotidiano foi permeado por debates sobre um tema que as mulheres em movimentos
sociais conhecem muito bem e que tem raízes profundas na sociedade mundial: a
violência contra as mulheres.
Não
é novidade notícias sobre estupros individuais ou coletivos, podem folhear os
sites de pesquisa com “cultura do estupro” e milhares de artigos surgirão ao
toque dos dedos.
Mas,
aqui ficaremos apenas com um dos debates estabelecidos:
ESTUPRO É CULTURA?
Acompanho
alguns grupos feministas dos redes sociais abertas e fechadas e o diáogo mais
corrente foi esse. Em minhas leituras e
observações tenho ratificado que não há duvidas sobre isto, exatamente como
mencionado no Blog Estudantes pela Liberdade no texto “Ordens espontâneas podem
ter resultados ruins?” de Cory Massimino:
“Feministas também se preocupam com formas dispersas, descentralizadas de violência, como o estupro, a violência doméstica, o abuso, etc. (...) e identificam esse tipo de violência como enraizada, sistematicamente estruturada pelo sexo, e como tendo poderosos efeitos em cadeia (...) e a vêem muito mais abrangente, como um problema institucional. A famosa “Teoria do Mirmidão” (Myrmidon theory) de Susan Brownmiller diz: “isso [estupro] não é nada mais do que um consciente processo de intimidação por meio do qual todos os homens mantêm todas as mulheres num estado de medo”. Não obstante tenha sido mal-interpretada como se significasse que todos os homens são estupradores, o que é obviamente inverdade, Johnson argumenta que o que Brownmiller está de fato afirmando é: “a prática do estupro por alguns homens funciona para dar a todos os homens uma posição de poder sobre as mulheres”.
Ratificar
o conceito de cultura, para além das academias, onde dissecamos o conceito
analisando-o com o auxilio multidisciplinar do pensamento mais elaborado é ainda
mais perigoso e respalda ações de ignorantes que fortalecem a perspectiva de
que a violência sexual é um problema de lugares distantes e culturas que exóticas, periferias do poder, sem infra estrutura, onde habitam os povos pouco evoluídos com suas culturas primitivas.
Quando
isto se coloca como um problema
particular como a Índia, no Congo ou nas
Favelas, periferias e Guetos de países
do terceiro mundo, o estupro deixa de ser tratado como uma uma epidemia global,
que não possui relação direta com desenvolvimento econômico ou com indicadores
sociais favoráveis. Estupros podem ser ou não mascarados pelas estatísticas,
mas é uma doença social que alcança a sociedade mundial, conforme consta no
mesmo texto já citado do Prof. Marcus:
-
Estados Unidos, uma mulher é vítima de
agressão sexual a cada dois minutos;
-
No Canadá, onde os índices de homicídios são muito baixos, os custos da
violência contra a mulher alcançam US$ 2,1 bilhões.
-
Na Suécia, uma em cada três mulheres foi alvo deste tipo de violência.
-
Na vizinha Dinamarca, três em cada dez mulheres sofreram uma agressão sexual ao
longo da vida. (mesmo índice de Bangladesh, país pobre do sul da Ásia)
-
No Brasil o número de estupros cresceu 162% entre 2009 e 2012. No ano passado, dez
mulheres foram violentadas por dia no país. Quase metade das agressões aconteceu
em vias públicas. Sete em cada dez estupradores conhecem suas vítimas. Muitos
residem perto delas, quando não são parentes.
(veja
mais indicadores no link “Números”)
Fazendo com que pensemos mais sobre o tema, vale citar ainda
o texto “O silêncio que ecoa: a cultura
do estupro no Brasil” de 05/10/2015 de Grazi Massonetto, onde pontua o pensamento
de Susan
Brownmiller, conhecida como a mãe do Movimento contra o Estupro, em seu livro “Against
Our Will: Men, Women and Rape” (Contra a Nossa Vontade: Homens, Mulheres e
Estupro) que diz o seguinte sobre o estupro:
“uso de estupro como uma expressão da masculinidade, indicação de mulheres como conceito de propriedade, e como um mecanismo de controle social para manter as mulheres na linha”.
Segundo Massonetto, Brownmiller afirma que o uso da força é
o requisito básico do comportamento masculino que as mulheres foram treinadas
desde a infância a temer. Desde pequenas, não estamos em pé de igualdade nesta
competição. Quem nunca ouviu que “brincar que lutinha é coisa de menino”, por
exemplo? Enquanto eles são incentivados a buscar a força física, somos
incentivadas a brincar de casinha.
É importante ressaltar que segundo a Lei
12015/2009 que entre outras coisas,
atualizou o título para “crimes contra dignidade sexual”, modificou o art. 213
do CP, aumentou a pena e os agravantes e ainda classificou como crime hediondo,
modificando a lei 8.072/90. A legislação é um avanço fruto de um longa luta do
movimento feminista. Não obstante haver no congresso um projeto para
modificação do CP ( projeto n°
236/2012) que pode retroceder a legislação. Fiquemos atentas!
Mas,
o estupro, mesmo tipificado no Código Penal não é somente um crime relacionado a sexo ou desejo
sexual. O estupro se refere também a uma relação de poder: trata-se de um
processo de intimidação pelo qual os homens mantêm as mulheres em um estado de
medo permanente. E é exatamente a isto que chamam de “cultura do estupro”
Para finalizar, este é um tema altamente
complexo e longo. Sabemos que sob a ótica de relações de poder muitas vezes as ações dos estupradores são ratificadas e fortalecidas por pensamentos políticos e governos, por isto precisamos voltar a Gilberto Freire e não esquecer que em “Casa
Grande e Senzala” a romantização das relações entre colonizadores e aqueles que foram vitimados pelas invasões, criaram o Mito da
miscigenação consentida brasileira, conhecido como “Mito da Democracia Racial”,
quando bem sabemos que as relações sexuais entre os colonizadores e as mulheres
indígenas e negras foi fruto de inúmeros estupros, individuais e coletivos.
Reforçar
em nossos perfis das redes sociais que ESTUPRO É CRIME, que somos CONTRA A
CULTURA DO ESTUPRO ou que somos contra a TODAS AS FORMAS DE
VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES é o início de um debate necessário e que precisa
de aprofundamento, para não ficar no senso comum dos já inúmeros comentários que ouvimos ao longo da
semana.
Ficamos com o pensamento
da Diretora do filme “Filha da India:
"Eu imploro para quem passou por isso (violência sexual) que fale, porque é muito importante. A culpa é deles, a vergonha é toda deles. É um erro e é de uma maldade absurda colocar a culpa disso na mulher pelo que ela estava fazendo ou usando. É nojento e absurdo que isso ainda aconteça. E nós, como mulheres, precisamos reagir a isso." (Leslee Udwin, atriz e cineasta, Diretora do filme Filha da India)
Fontes: