domingo, 29 de maio de 2016

Estupro: CRIME OU CULTURA

por Margareth Ferreira
Estupro NÃO é uma problema novo. Ele é renovado e banalizado, muitas vezes acoitado e aceito por pessoas de diferentes níveis intelectuais e sociais. Vejamos:

Em 02 de maio de 2013, o Prof Universitário Marcus Vinícius Batista publicou o seguinte em sua coluna semanal: 
  

"O problema número um do Congo são os estupros. Matam mais que a cólera, a febre amarela e a malária. Cada bando, facção, grupo rebelde, inclusive o Exército, onde encontra uma mulher procedente do inimigo, a estupra. Ou melhor, a estupram. Dois, cinco,dez, quantos sejam. Aqui, o sexo nada tem a ver com prazer, só com o ódio. Todos os dias chegam neste consultório mulheres, meninas, violadas com bastões, ramos, facas, baionetas. O terror coletivo é perfeitamente explicável."
 
Durante esta semana a sociedade brasileira foi abalada por um caso ocorrido com uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro. De um momento ao outro, milhares de pessoas pelas redes sociais mudaram perfis e publicaram algo em apoio a mulher que fora violentada; alguns, todavia, de maneira corrente questionaram a vítima e culpabilizaram sua conduta e comportamento, responsabilizando-a pelo ocorrido.

Nosso cotidiano foi permeado por debates sobre um tema que as mulheres em movimentos sociais conhecem muito bem e que tem raízes profundas na sociedade mundial: a violência contra as mulheres.


Não é novidade notícias sobre estupros individuais ou coletivos, podem folhear os sites de pesquisa com “cultura do estupro” e milhares de artigos surgirão ao toque dos dedos.

Mas, aqui ficaremos apenas com um dos debates estabelecidos: 
ESTUPRO É CULTURA?

Acompanho alguns grupos feministas dos redes sociais abertas e fechadas e o diáogo mais corrente foi esse.  Em minhas leituras e observações tenho ratificado que não há duvidas sobre isto, exatamente como mencionado no Blog Estudantes pela Liberdade no texto “Ordens espontâneas podem ter resultados ruins?” de  Cory Massimino:

“Feministas também se preocupam com formas dispersas, descentralizadas de violência, como o estupro, a violência doméstica, o abuso, etc. (...) e identificam  esse tipo de violência como enraizada, sistematicamente estruturada pelo sexo, e como tendo poderosos efeitos em cadeia (...) e a vêem muito mais abrangente, como um problema institucional. A famosa “Teoria do Mirmidão” (Myrmidon theory) de Susan Brownmiller diz:  “isso [estupro] não é nada mais do que um consciente processo de intimidação por meio do qual todos os homens mantêm todas as mulheres num estado de medo”. Não obstante tenha sido mal-interpretada como se significasse que todos os homens são estupradores, o que é obviamente inverdade, Johnson argumenta que o que Brownmiller está de fato afirmando é: “a prática do estupro por alguns homens funciona para dar a todos os homens uma posição de poder sobre as mulheres”.
Ratificar o conceito de cultura, para além das academias, onde dissecamos o conceito analisando-o com o auxilio multidisciplinar do pensamento mais elaborado é ainda mais perigoso e respalda ações de ignorantes que fortalecem a perspectiva de que a violência sexual é um problema de lugares distantes e culturas que exóticas, periferias do poder, sem infra estrutura, onde habitam os povos pouco evoluídos com suas culturas primitivas.

Quando isto se coloca como um  problema particular como a Índia,  no Congo ou nas Favelas,  periferias e Guetos de países do terceiro mundo, o estupro deixa de ser tratado como uma uma epidemia global, que não possui relação direta com desenvolvimento econômico ou com indicadores sociais favoráveis. Estupros podem ser ou não mascarados pelas estatísticas, mas é uma doença social que alcança a sociedade mundial, conforme consta no mesmo texto já citado do Prof. Marcus:

-  Estados Unidos, uma mulher é vítima de agressão sexual a cada dois minutos;
- No Canadá, onde os índices de homicídios são muito baixos, os custos da violência contra a mulher alcançam US$ 2,1 bilhões.
- Na Suécia, uma em cada três mulheres foi alvo deste tipo de violência.
- Na vizinha Dinamarca, três em cada dez mulheres sofreram uma agressão sexual ao longo da vida. (mesmo índice de Bangladesh, país pobre do sul da Ásia)
- No Brasil o número de estupros cresceu 162% entre 2009 e 2012. No ano passado, dez mulheres foram violentadas por dia no país. Quase metade das agressões aconteceu em vias públicas. Sete em cada dez estupradores conhecem suas vítimas. Muitos residem perto delas, quando não são parentes.
(veja mais indicadores no link “Números”)


Fazendo com que pensemos mais sobre o tema, vale citar ainda o texto “O silêncio que ecoa: a cultura do estupro no Brasil” de 05/10/2015 de Grazi Massonetto, onde pontua o pensamento de  Susan Brownmiller, conhecida como a mãe do Movimento contra o Estupro, em seu livro “Against Our Will: Men, Women and Rape” (Contra a Nossa Vontade: Homens, Mulheres e Estupro) que diz o seguinte sobre o estupro:
 “uso de estupro como uma expressão da masculinidade, indicação de mulheres como conceito de propriedade, e como um mecanismo de controle social para manter as mulheres na linha”.
Segundo Massonetto, Brownmiller afirma que o uso da força é o requisito básico do comportamento masculino que as mulheres foram treinadas desde a infância a temer. Desde pequenas, não estamos em pé de igualdade nesta competição. Quem nunca ouviu que “brincar que lutinha é coisa de menino”, por exemplo? Enquanto eles são incentivados a buscar a força física, somos incentivadas a brincar de casinha.




É importante ressaltar que segundo a Lei 12015/2009 que entre outras coisas, atualizou o título para “crimes contra dignidade sexual”, modificou o art. 213 do CP, aumentou a pena e os agravantes e ainda classificou como crime hediondo, modificando a lei 8.072/90. A legislação é um avanço fruto de um longa luta do movimento feminista. Não obstante haver no congresso um projeto para modificação do CP ( projeto n° 236/2012) que pode retroceder a legislação. Fiquemos atentas!

Mas, o estupro, mesmo tipificado no Código Penal não é  somente um crime relacionado a sexo ou desejo sexual.  O estupro se refere também a uma relação de poder: trata-se de um processo de intimidação pelo qual os homens mantêm as mulheres em um estado de medo permanente. E é exatamente a isto que chamam de “cultura do estupro”


Para finalizar, este é um tema altamente complexo e longo. Sabemos que sob a ótica de relações de poder muitas vezes as ações dos estupradores são ratificadas e fortalecidas por pensamentos políticos e governos, por isto precisamos voltar a Gilberto Freire e não esquecer que em “Casa Grande e Senzala” a romantização das relações entre colonizadores e aqueles que foram vitimados pelas invasões, criaram o Mito da miscigenação consentida brasileira, conhecido como “Mito da Democracia Racial”, quando bem sabemos que as relações sexuais entre os colonizadores e as mulheres indígenas e negras foi fruto de inúmeros estupros, individuais e coletivos.

Reforçar em nossos perfis das redes sociais que ESTUPRO É CRIME, que somos CONTRA A CULTURA DO ESTUPRO ou que somos contra a TODAS AS FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES é o início de um debate necessário e que precisa de aprofundamento, para não ficar no senso comum dos  já inúmeros comentários que ouvimos ao longo da semana.

Ficamos com o pensamento da Diretora do filme “Filha da India:

"Eu imploro para quem passou por isso (violência sexual) que fale, porque é muito importante. A culpa é deles, a vergonha é toda deles. É um erro e é de uma maldade absurda colocar a culpa disso na mulher pelo que ela estava fazendo ou usando. É nojento e absurdo que isso ainda aconteça. E nós, como mulheres, precisamos reagir a isso." (Leslee Udwin, atriz e cineasta, Diretora do filme Filha da India)


Fontes: